20 de ago. de 2010

Diário de Viagem - Londres, o fim do curso

Hoje foi o último dia de aulas no curso. Como amanhã cedo estou de partida para Dublin, resolvi escrever este post antes de dormir, enquanto as idéias ainda estão mais ou menos frescas.

Da segunda-feira para cá não aconteceu muita coisa. Fui ao concerto, como escrevi no post anterior, e depois fiquei estudando. Para não dizer que não fiz mais nada, na quarta-feira fui ao cinema assistir Toy Story 3. Mais uma vez a animação me surpreendeu. Os roteiristas dão deixaram a peteca cair. Toy Story precisaria ser estudado como um caso raro de sucesso cinematográfico de um filme e suas continuações, sendo que estas nunca ficam abaixo das anteriores. A história da passagem da infância para a vida adulta vista através dos brinquedos poderia ser banal, mas vem carregada de emoção e sensibilidade. A empatia é imediata (a menos que você já tenha matado sua criança interior). A história tem doses certas de humor, aventura e delicadeza. Vale a pena e, pelas reações do público (todos adultos) estou certo de poder afirmar isso.

Como cheguei cedo, pude tirar uma foto de Picadilly Circus de dia, mas antes passei por Covent Garden, para comer um cookie do Benny (e ter a certeza de que o meu é mais gostoso) e fotografar a loja da Apple.

A megastore vista de uma de suas entradas

A fachada principal

A loja, de fato, é gigantesca. E bem movimentada. Um iPod tradicional (aquele em que cabem 40 mil músicas) está custando 143 libras, o que dá uns 420 reais. No Brasil, no Mercado Livre, sai por R$640, ou mais ou menos 211 libras. Não é uma diferença muito grande. Prefiro só dar uma olhada rápida e sair.

 Fim de tarde em Covent Garden

E em Picadilly Circus

Museu do Acredite se Quiser
35 libras para entrar e ver bizarrices...
Prefiro gastar com outras coisas

Bem, o curso acabou e teve uma festa de despedida. Vinhos, salgados, frutas e, para mim, uma sensação de que tudo passou muito rápido - enquanto o curso rolava parecia um outro tempo, mais lento. Na verdade, ao mesmo tempo em que parece que estamos aqui há uma eternidade, também parece que foi ontem que chegamos para a primeira aula.

No balanço geral, não me arrependo nem por um segundo de ter feito o curso. Foi esclarecedor e desafiador ao mesmo tempo. Vi coisas que nenhum curso de inglês no Brasil ensina; vi sugestões de como incorporar a fonética ao aprendizado de uma segunda língua - coisa que sempre considerei fundamental mas que nossos cursos ignoram solenemente. Aprendi o quanto a entonação de uma frase em inglês pode carregar de significado, a ponto de existirem estudos específicos de entonação, inclusive com mecanismos de análise muito bem discriminados e descritores plenamente estabelecidos para representá-a.

E tem os amigos que foram feitos. Se foram apenas pelo período do curso, só o tempo dirá. Espero que não. Aqui estão algumas pessoas da minha classe (nas aulas práticas), com as quais tive mais proximidade:

Helen, de Hong Kong, e Marta, da Espanha

Shigeri, do Japão (mas residente em Londres), e 
Anabel, da Espanha, também.

Todos juntos.

Lesley, nossa tutora de entonação - uma inglesa
simpática, doce e com uma paciência extrema.
Foram ótimas as aulas dela, porque sempre podíamos
discutir aspectos culturais subliminares às intonações.

Tim Wharton - um dos tutores de "ear-training"
Descolado, alegre, super bem humorado e com
especial gosto por música brasileira.

Não fotografei as grandes estrelas: John C. Wells, autor do melhor dicionário de pronúncia que existe (tenho a última edição comprada dois anos atrás) - mas que provou ser uma pessoa antipática, fria e distante - um "Professor", no pior sentido da palavra. Mais um ídolo que se desfaz... Mas ele autografou o livro que comprei de sua autoria, sobre entonação. O cara é o grande mestre, sem dúvida. Michael Ashby, diretor do curso de verão em fonética, que irá se aposentar no ano que vem - espero que ele continue no curso, pois ele é quase a alma dessa organização. Jane Setter, professora da Universidade de Reading (lê-se /ˈredɪŋ/), que é também autora de outro ótimo dicionário de pronúncia - defensora da introdução da fonética no ensino de inglês como segunda língua, e com quem pretendo trocar algumas figurinhas nos próximos anos. E mais alguns outros.

Fotografei aqueles com quem mais me identifiquei afetivamente. Lesley foi uma tutora maravilhosa, que soubre trocar idéias, mostrar o conteúdo das palestras e quem, de certa forma, segurava a nossa barra quanto às inseguranças e incertezas. Ela vai me mandar uma lista de livros de teoria literária mais recente - quando mostrei a bibliografia que estamos usando na USP ela ficou bem espantada, já que são coisas de 40 anos atrás...

E Tim, o cara mais divertido e ao mesmo tempo mais empenhado em nos fazer compreender entonação e seus possíveis significados, além de ser um crítico inteligente das descrições teóricas propostas pelos principais autores do sistema de análise. Deu-me grandes idéias sobre linhas de pesquisa que eu poderia seguir, podendo inclusive vir a conseguir fazer uma pós aqui mesmo na UCL (se conseguir bancar, é claro). No fim de um bate-papo na semana passada ele me propôs fazermos um número juntos, no dia da festa. Apesar de não termos tido tempo de ensaiar, a coisas saiu e foi um sucesso. Fizemos "Eu só quero um xodó", do Gil - música que ele adora e que eu, por sorte, conhecia a letra. Foi divertido. Acho que uma das colegas filmou - vamos ver se ela me envia o vídeo. Claro que eu estava super-nervoso por não ter ensaiado e comecei no tom errado. Mas depois a coisa se encaixou e deu tudo certo.

Dos colegas, Marta, a espanhola que, se não me engano, é de Zaragoza, vai ficar no coração. Uma tarde paramos num pub perto da faculdade, um lugar estranhíssimo, parecia cenário de filme de terror, com uma dona que parecia, de fato, um fantasma; ficamos conversando por horas. Foi uma ótima conversa.

Helen, que escolheu esse nome porque seria muito difícil pronunciar seu nome cantonês (em Hong Kong a maioria ainda fala cantonês, enquanto na China continental fala-se mandarim). Tem uma pronúncia difícil de se entender, mas um coração iluminado. Sorridente, afetuosa, inteligente à bessa. Ficou "brava" comigo porque eu brincava com as aulas de entonação. O duro é que quando eu não estava brincando, ela também achava que eu estava e ficava me olhando feio. Mas a questão é que a gente tem que ficar imitando os tons. E é muito divertido imitar um inglês falando. Demos boas risadas no fim das contas.

Shigeri parece uma menina, apesar de seus 45 anos (que parecem 27!!!). Já foi casada com um inglês, já viveu com ele na Nova Zelândia por cinco anos, se separou, voltou para Londres e hoje dá aula de inglês para japoneses, por conta própria. Tem um bonito sotaque quase-londrino, é divertida e tem os olhos extremamente abertos para o mundo.

No fim, vejo reforçada a minha idéia de que estamos todos, de alguma forma, conectados. Não estamos isolados no mundo. Existem pessoas que pensam como a gente, mas só que em outra língua. Gente para quem valores como respeito, honestidade, e amizade, por exemplo, ainda estão acima das mesquinharias diárias. Não importa a língua ou a cultura, partilhamos do status de seres humanos, para o bem e para o mal. E podemos nos relacionar com isso. Não somos vozes solitárias na escuridão, somos criaturas que anseiam por uma possibilidade de mundo mais co-habitável, com mais respeito. Sinto-me bem com isso. A humanidade é diversa, mas ao mesmo tempo é uma só - o que precisamos é aprender a conviver com as diferenças.

Amanhã cedo: Dublin. Vamos ver o que a Irlanda nos reserva. Hoje deixei minha mala maior na casa de Juliana, que estagiou na Osesp e veio para cá fazer um curso de inglês. Mora com o primo em Brixton, no sul de Londres. É o bairro dos caribenhos - negras e negros lindos e sorridentes. A saída da estação de metrô lembra o Largo da Batata, só que mais limpo e organizado. Mas é movimentado e barulhento. Até um desses "pregadores do evangelho" que põem suas caixas de som na rua para falar tinha... Juju demorou um pouco, eu fui comer um sanduíche (a coisa mais perto que tinha era um Subway - acabei comendo lá mesmo). Depois, fiquei sentado no banco no calçadão enquanto esperava. Uma mulher negra, elegante, linda, sentou-se e começou a comer um lanche que, via-se, ela trouxe de casa. Um vento frio passou por mim cortando e eu comentei em voz alta "esse é o verão britânico" e ela me respondeu "a gente não reclama, porque está muito bom; já esteve pior em anos anteriores". Ela foi simpática e, depois de uns minutos de conversa, despediu-se ao terminar seu lanche.

Juju chegou, fomos até a casa de seu primo, que é pequena, mas aconchegante, guardei a mala (que está horrivelmente pesada - e eu ainda nem comprei todos os meus livros) e depois saímos, pois ela ira para o trabalho, Foi bom vê-la de novo. Ela está feliz. Volta para o Brasil no dia 1/9. E está bonita, mais com rosto e jeito de mulher, não mais de meninha. Os seis meses aqui fizeram bem para ela...

Linda...

17 de ago. de 2010

Diário de Viagem - Londres, e um Pássaro de Fogo inesquecível

Ontem foi um dia bom. Bom, mesmo. Não que eu tenha feito muita coisa. Mas no curso as coisas começaram a fazer um pouco mais de sentido. A quantidade impressionante de informação começou a se assentar no fim de semana. E, de repente, não tive mais aquela sensação de que não sabia mais inglês. Conversando com Marta, uma colega da Espanha que também está no curso - pessoa sensacional, com quem me entendi desde o primeiro minuto - falamos um pouco sobre nossa experiência com a língua, tanto como alunos quanto como professores. E aí ela me falou sobre um artigo que leu a respeito da curva de aprendizado de idiomas e elucidou sobre o efeito "plataforma". É mais ou menos assim: a gente começa a aprender um idioma e até atingir um certo nível há uma curva ascendente. Aí parece que ficamos estacionados e nada mais anda no aquisição da língua. Tempos depois a gente começa a evoluir de novo e percebe que avançou. E depois parece estagnar de novo. Esses períodos de aparente estagnação do aprendizado é chamado de "efeito plataforma" porque parece uma linha reta horizontal na curva de aprendizado. Mas passa. É só uma fase. Pode ser mais longa ou mais curta, dependendo da pessoa ou até dos diferentes momentos em que uma mesma pessoa passa por isso. No meu caso, acho que foi um pouco isso. Eu estava "parado" numa dessas plataformas. Nada acontecia até que eu vim fazer o curso. Diante da quantidade de informação inicial me senti um pouco desnorteado. Agora, com as coisas entrando nos eixos... bem já deu para entender.

Londres e seu humores... ontem fez um dia lindo, com muito sol, uma luz diferente. Dessas coisas de pintura. Depois do curso peguei o ônibus para ir até Victoria Station comprar o bilhete de trem para o aeroporto de Gatwick. Poderia ter ido de metrô, mas perderia metade da graça, já que os ônibus também são uma boa maneira de ver a cidade (e sem cansar as pernas). Um pouquinho de trânsito na Oxford Street com a Tottenham Court Road, que está em obras, mas nada desesperador.

A torre da British Telecom. Fica aqui perto do alojamento.

Uma vista mais bonita do prédio onde
tenho as aulas.

A Victoria Station, ontem à tarde

E o Apollo Victoria, teatro em frente
à estação.

Comprei os bilhetes do Gatwick Express, que é um serviço de trem rápido que liga o centro de Londres ao outro de seus principais aeroportos (Londres tem quatro: Heathrow, Gatwick, Luton e Stansted), em 30 minutos. E tem um trem a cada 15 minutos desde as 3:30 da manhã. É ou não é para se ter inveja de uma cidade como esta.

Quando JK resolveu voltar os olhos para o paraíso dos automóveis americanos de Detroit e dar às costas ao poder das ferrovias inglesas nós perdemos a grande oportunidade de criar uma malha ferroviária que poderia ter ligado o Brasil de norte a sul e de leste a oeste, oferecendo não só a possibilidade de transporte de qualidade e eficiente, como também a de melhor escoamento da produção agrícola do interior para as capitais e, anos mais tarde, quando tivéssemos, como agora, capacidade de exportação de produtos industrializados, a condição de termos o desenvolvimento mais rápido do interior. Mas isso é conversa para outro post.

Depois de ter comprado os bilhetes, voltei para o alojamento para me preparar para o grande acontecimento da noite: o concerto do Proms no Royal Albert Hall. Em post anterior coloquei as fotos do prédio. Grandioso, bonito, vigiado pela estátua daquele que lhe empresta o nome. E o programa eu escolhi a dedo: Scriabin - Sinfonia No. 1 em Mi maior e Stravinsky - O Pássaro de Fogo. Apresentação da Orquestra Sinfônica de Londres com seu regente principal: Valery Gergiev - o homem que transformou a orquestra do Teatro Mariinsky, na Rússia, em uma referência internacional.

O RAH possui várias portas de entrada. Cada uma dá diretamente em uma ante-sala, onde normalmente tem um bar de vinhos. Depois tem um grande corredor que circunda o prédio. Há escadas para o restaurante no subsolo e também para os níveis mais altos. A Moet et Chandon deve ter feito algum acordo com a sala, porque só tem eles de champagne espalhado pelos muitos bares - como a sala é grande e circular, isso evita que as pessoas tenham que se deslocar muito para os "refrehsments" pré e pós concertos. Cada portão deixa você de frente para a entrada certa de seu setor. E os indicadores, simpáticos e atenciosos (além de bonitos - mulheres e homens) asseguram que você encontrará facilmente seu lugar. Só os banheiros é que me parecem poucos para tão longos corredores... senti-me percorrendo quilômetros para ir do portão três ao portão oito, onde fica um dos banheiros masculinos (e, aparentemente, o mais próximo da minha entrada). Tudo muito limpo, tudo muito antigo e, numa cidade que enfrenta dias de frio em pleno verão, as sempre bem vindas torneiras com água quente.

Bem, aliviada a bexiga, desço ao restaurante, que é sóbrio, tem poucas mesas, e onde se encontra o público mais velho e com dinheiro - sim, eles estão tomando champagne enquanto saboreiam seus pratos. Peço um café e, para meu desespero, eles só têm filtrado, o que equivale a um copo a la Starbucks de café coado e guardado em... garrafas térmicas! Dá para imaginar o meu espanto, né? Peço à atendente, bastante sorridente, que coloque um pouco menos da metade de café naquele copo de papel, envolto em um guardanapo com o logo do RAH primorosamente enrolado e fixado em seu corpo (o copo, não a atendente). Pago o preço do copo cheio, uma libra e qualquer coisa, e peço um pedaço do bolo do dia que, para minha sorte, é de limão com blueberries. Em tempo: blueberry é uma frutinha bem sem graça. Por sorte, tinha pouco dela no bolo. Enquanto termino meu café as portas de acesso à sala são abertas, pontualmente às 18:45 (o concerto é às 19:30).

Hora de entrar na famosa sala... de cara, o impacto: o lugar é enorme, é alto, muito alto. Acho que o "poleiro" deve ser mais alto até do que o do Municipal do Rio de Janeiro. Tudo vermelho. Antigo. Feio. Beeeem feio. Quero dizer... é uma coisa espantosa, mas que não combina com o exterior. Para começar, como o RAH não é a Sala São Paulo, não tem as placas acústicas no teto. A cúpula é visível e o que existe como anteparo são uns confetes gigantecos pendurados nela. Aliás, toda a estrutura é visível. Sobre o palco há uma estrutura enorme, retangular, preta, como abafadores de som, luzes e toda a parafernália técnica. Sobre ela vê-se a armação do telão, que deve ser usado em outros eventos. Essa coisa bem feia tira toda a visão de um órgão enorme que parece ser muito bonito - um desperdício (que me provaria enganado depois). A frente do órgão forma uma pequena cunha, que fende o círculo e, à sua volta, senta-se o coro. A distribuição oferece soluções diversas para o posicionamento do coro - o que pode ter resultados interessantes.

As cadeiras são sustentam-se sobre tubos de metal. O assento gira, como um banco de bar. Isso permite a quem está mais próximo do palco virar e ficar confortavelmente de frente para os músicos, sem atrapalhar os vizinhos. Cada assento está isolado do outro, o que torna a vida mais fácil. Ah, e eles não rangem, nem estalam...

Mas a grande supresa, mesmo, está no meio da grande sala. Sim, porque o palco é numa "lateral" do círculo (criando aqui uma impossibilidade geométrica, mas perfeitamente plausível). O meio é... um grande picadeiro! E no meio do picadeiro tem um singelo jardim com..., eeeehh...., beeeemm, hummmm, ainda mais singelo CHAFARIZ. Isso mesmo! Pequeno, porém é um chafariz. Com água jorrando, de verdade. Uma coisa abominável! Tão abominável que chega a ser pitoresco. Pois bem, nesse picadeiro com chafariz no meio ficam as pessoas que compraram ingresso na última hora para assistir ao concerto DE PÉ! Tem gente de todo jeito: muitos jovens, alguns bichos-grilo, gente tatuada, pessoas mais velhas, até alguns senhores e senhoras. Sentam-se no chão enquanto o concerto não começa, conversando animadamente entre si, como se fossem velhos conhecidos - e alguns pareciam ser mesmo. É aí que se descobre porque que a série se chama Proms: vem de "promenade", verbo que significa passear. As pessoas passeiam em algumas áreas da sala enquanto o concerto acontece (não dentro da sala, claro). A galeria (o poleiro) também é um lugar onde as pessoas ficam de pé e por lá elas "flanam". O ato de ficar de pé na arena (o picadeiro) ou na galeria (o poleiro) é chamado de promming e quem o pratica é um "promenader" ou "prommer" (mais informal). Alguns são, literalmente, prommers de careirinha - possuem até crachá quando cumprem o "grand slam" (assistir TODOS os concertos da temporada, dentro e fora do RAH - há eventos em outros lugares ligados à série). O "little slam" é assistir todos os concertos que acontecem somente no RAH. Pouco antes de começar o concerto os prommers ficam de pé para que todos possam se acomodar. E eles ficam assim durante todo o concerto!

Tudo muito pitoresco...

A orquestra entra, o violino principal (e não o spalla) afina a orquestra, chega o spalla e depois os solistas e o maestro. A obra de Scriabin prevê coro e solo de mezzo-soprano e tenor. Estes dois são russos e, fica claro, Gergiev está em seu terreno. É a estréia da obra no Proms. A casa está lotada. Ainda não acredito que consegui um ingresso a pouco mais de dez metros do palco, à esquerda do maestro, na platéia elevada, por 24 libras - uma pechincha! A música começa e as qualidades da orquestra e da sala se mostram. Pianíssimos de 5 p's são claramente audíveis. O que dá margem para fortíssimos estupendos, mas que nunca soam "gritados". É, dou o braço a torcer: de onde estou, o som é magnífico. E a orquestra também. Gergiev rege sem batuta e com gestos pequenos, muitas vezes "tremendo" as mãos. Parece que os músicos estão ligaos a seus dedos e respondem a esses pequenos gestos com grande precisão e entendimento mútuo. A peça, apesar de bonita, é longa: 50 minutos. No último movimento, solistas e coro. A mezzo não consegue fazer com que sua voz vença a amplitude da sala, mas o tenor a enche plenamente. Ambos têm vozes bonitas, mas fica claro que a vantagem é dele. O coro é fenomenal, mas a apresentação termina sem grande entusiasmo por parte do público.

Intervalo, vinte minutos, a coisa de sempre: banheiro, café champagne ou sorvete Haegen Daas. As pessoas voltam e aí começa a mágica. São quase 50 minutos de puro encantamento. Precisão, leveza, agitação e calmaria, fúria e ternura - está tudo ali. Nada sobra ou falta. Sinto arrepios de emoção em vários momentos. Às vezes dá vontade de chorar, de tanta beleza. E, no final, o pássaro de fogo de Gergiev nos arrebata. É emocionante, enlevante, impressionante e quantos -antes alguém conseguir pensar. Saí do concerto em estado de graça... um programa longo, bem longo, mas cuja segunda parte passou como um relâmpago iluminando a alma. Lamento que tenha sido a única apresentação. De bom grado assistiria de novo, para fixar  nas tessituras da memória esse brocado filigranado que foi a interpretação de Gergiev para o Pássaro de Fogo. Fiquei feliz por estar vivo e aqui e poder vivenciar isso. Inesquecível, para dizer o mínimo.

Na saída, indo para o metrô, vejo uma moça em um longo preto. Tomo coragem e pergunto se ela canta no coro. Ela sorri e diz que sim. Agradeço a bela interpretação do coro na sinfonia e ela fica visilmente feliz. Encadeamos uma conversa sobre música, sobre Gergiev, sobre o quanto ele me pareceu envelhecido para seus 57 anos e ela me fala do quanto ele ensina sobre música sem muito dizer. O homem é uma força da natureza, sim, mas com a capacidade de transmitir a beleza daquilo que acredita em sua execução da música. Ela está claramente encantada com o trabalho dele. Nos despedimos na estação de South Kensington e eu volto para o alojamento feliz.

Acordo hoje com um dia frio e chuvoso - definitivamente São Pedro tem algo contra essa cidade (seria ciúmes da catedral de São Paulo?). Vou para a aula, tudo parece se encaixar. Na hora do almoço, enquanto sigo para a Pret-a-Manger para comer um delicioso sanduíche de cheddar maturado com presunto e folhas de manjericão gigante com rodelas de tomate, dou de cara com a belezinha aí de baixo. Não que eu seja ligado em carros, mas achei tão inusitado que não resisti à foto. Com ela me despeço por hoje.

De frente

Sim, é uma Lótus... conversível. Cujo teto
se muito, chega até a altura da minha coxa...

15 de ago. de 2010

Diário de Viagem - Londres, sábado

Longo dia. Com chuva e frio. Mas o tempo por aqui tem humores... às vezes está bom, às vezes está ruim. Peguei bastante chuva, mas também enfrentei alguns momentos de calor. Depois de ter enrolado um pouco, saí com destino a Covent Garden. Queria experimentar o tal do cookie do Ben`s Cookies, que o Uéliton havia me indicado. A loja fica no antigo mercado de Covent Garden, que virou um "point" de turistas na cidade, com feirinha de artesanato, restaurantes descolados e lojas bacanas, de roupas e de artigos diversos, como chá, sabão (a Lush - que já existiu em São Paulo - com seu cheiro característico e a L'Occitane têm lojas aqui). A região do mercado é também onde existe a maior Apple Store do mundo, com dois (ou três? não lembro) andares, área de personalização dos equipamentos - você já sai com o computador, por exemplo, configurado do seu jeito, com a ajuda do pessoal da Apple. Mas só descobri isso depois de ter lido uma matéria numa revista. Ou seja, não fotografei a maior Apple Store do mundo - até porque não tenho dinheiro para gastar com gadgets bonitos e caros que, uma vez quebrados (e eles quebram com certa facilidade) não têm conserto. Muito "ishperto" esse cara da Apple.

Bem, os cookies do Ben são bons, mas prefiro os meus. Pedi um de laranja, que era gostoso, mas doce pra c.... e que não dava para segurar, porque o troço era uma geléia quente. O de chocolate tava um pouquinho mais frio e deu para segurar, embora a mordida tivesse que ter sido rápida sob risco de ter metade do biscoito atraída ao chão devido à força da gravidade e sua ausência de firmeza... E também era doce de doer na alma.

Covent Garden - o antigo mercado

O Apple Market, no centro do prédio

Os fundos da Igreja de São Paulo (não
confundir com a Catedral)

Os cookies do Ben

A indicação da fundação da igreja (1633)

Os jadins da igreja

Há uma coisa interessante sobre a Igreja de São Paulo em Covent Garden: os atores foram grandes colaboradores da igreja e dentro dela estão placas com os  nomes de vários deles. Inclusive de Bernard Shaw.



Os jardins são bem cuidados e tranquilos, apesar do barulho que ocorre ao lado, na Piazza de Covent Garden. Os bancos são doações de famílias cujos parentes mortos eram frequentadores da igreja.






Na entrada há um quadro de avisos em cada lado do corredor, um com boas-vindas escrito em vários idiomas, e outro com uma recomendação que achei muito bonita.

Caminhe silenciosamente,
Converse discretamente,
Reflita profundamente,
Ore fervorosamente

Até em português - em segundo lugar.

O altar - a igreja é simples, como, me parece,
são as igrejas anglicanas.

Hora de ir passear e eu deixo Covent Garden, de ônibus, para ir à National Gallery. Poderia ter andando, mas queria poupar as pernas. No caminho, passo pela bonita estação ferroviária de Charing Cross.

Charing Cross Station

Chego em Trafalgar Square, onde ficam a Igreja de St. Martin in the Fields e a National Gallery. A igreja, que finalmente vi por inteiro (em 2008 ela estava em reformas e cercada de tapumes) tem a austeridade das igrejas anglicanas. Mas, mesmo na simplicidade, é bonita. E dá para imaginar porque os concertos dados aqui são tão famosos: além do óbvio talento de quem se apresenta, tem a acústica, que é ótima. E o órgão é muito bonito e impressionante.

Os fundos de St. Martin in the Fields

E a frente.

O órgão

O altar

E tem Trafalgar Square. Para variar, cheia de turistas. Mas o lugar tem uma energia bacana.

Trafalgar Square vista das escadas da 
National Gallery. Ao fundo o Big Ben.

A National Gallery

Foi muito bom poder, finalmente, ver The Hay Wein, o mais famoso quadro de John Constable, de perto. E, junto com ele, outras obras importantes dos mestres ingleses, como Turner (de quem voltarei a falar daqui a pouco), Sir Joshua Reynolds (que foi o primeiro presidente da Royal Academy of Arts), Thomas Gainsborough, entre outros. Mas não é só isso. Uma das coisas mais interessantes é que para se chegar às salas de arte britânica, é preciso passar por salas que contêm Seurat, Monet, Manet, Cézanne, Ingres e um dos quadros mais luminosos que Van Gogh já pintou: Um campo de trigo, com ciprestes. O quadro é maravilhoso, mas difícil de ser apreciado, pois uma horda de turistas não deixa muito espaço para a contemplação. Para quem não conhece o quadro, clique aqui. Fiz a visita com um áudio-guia. A menina que me vendeu a visita guiada é brasileira, de Bento Gonçalves... está há dois anos morando em Londres. Fiquei com uma pontinha de inveja. 

Dali peguei o ônibus para a Tate Britain. A Tate é um lugar ao qual não me cansarei nunca de retornar. Mesmo com o movimento de turistas, é mais tranquila do que a National Gallery. Dois anos atrás, das 10 salas dedicadas à obra de Turner, sete estavam fechadas. Destas vez tive um pouco mais de sorte. A exposição era sobre os "Românticos" ingleses, salientando as obras de Turner e de seu contemporâneos, como Constable. Há algo com os quadros de Turner (isso acontece com os de Constable, mas em menor intensidade) que me faz ter vontade de olhar para eles até que seja impossível apagar suas imagens da minha memória. Na National, mais cedo, estava bastante desconfortável aproveitar a coleção por causa do número muito grande de pessoas, por sinal bem barulhentas. Mas quando eu ficava de frente para os quadros de Turner ou de Constable todo o ruído se dissipava e parecia que éramos só eu e o quadro, tamanho o encantamento que eles me causavam.

Tate Britain, em Millbank.

Na saída, o tempo ainda estava brusco, com lampejos de sol aqui e ali. Nesse ponto a margem do Tâmisa é bem tranquila (só tem uma linha de ônibus que passa por aqui nos fins de semana). Tirei algumas fotos a partir da margem e do pier de Millbank.

Vista do Tâmisa em frente à Tate.

A Lambeth Bridge vista do Pier de Millbank

A ponte de Vauxhaul, a partir do Pier de Millbank

Há um serviço de barco chamado Tate-to-Tate que liga a Tate Britain à Tate Modern, na outra margem do rio, perto da Tower Bridge. Mas são poucos os horários. O próximo seria às 16:20 umas 15:00. Achei melhor pegar o ônibus até o pier de Westminster. Infelizmente o último barco para ver a barragem do Tâmisa (um sistema de comportas que se fecha em caso de necessidade, para evitar enchentes) sai às 14:00. Vou ter que fazer esse passeio outro dia.

London Eye, vista do pier de Westminster

O Big Ben, visto do Victoria Embankment
no Pier de Westminster

Ao lado da London Eye fica o London Aquarium,
esse prédio majestoso

Como estava já meio cansado, mas queria muito ir até a Royal Watercolour Society, peguei o barco para ir até St. Katherine's Pier - pensava em atravessar para o Southbank pela Tower Bridge. Mas aí começou chover forte e eu decidi descer no Bankside Pier, mesmo. Fica ao lado do Globe Theatre, perto da Tate Modern. É a reconstrução do teatro onde Shakespeare apresentou suas peças. O teatro original ficava a alguns metros de distâncias dali.


Vista a partir do barco, em direção à Tower Bridge

O Royal Festival Hall

A "Agulha de Cleópatra", que estava no Egito mas,
sabe como é... os ingleses, suas expedições...

Vista do rio, a margem norte. À esquerda está
a cúpula da Catedral de São Paulo; mais à direita,
em forma de ogiva, The Gherkin (O Pepino).
É a sede de uma seguradora suíça.

À direita, a OXO Tower, com lojas no térreo e um
restaurante panorâmico no último (oitavo) andar.

Mais perto.

Blackfriers Bridge, a mais bonita de Londres
em minha humilde opinião...

A Tate Modern

Millenium Bridge, a primeira exclusivamente
para pedestres.

Adoro esta foto. Passando por baixo da
Millenium Bridge, com St Paul`s no fundo.

The Globe Theatre

O anexo

O céu...

mais um pouco...

A Tower Bridge está lá no fundo, vista da
Millenium Bridge

Com zoom

St Paul vista da Millenium Bridge

Um pouco mais perto

Vista oposta à da cúpula

A douradíssima estátua de São Paulo

Não consegui entrar na St Paul. Estava fechada. Não sei se era o horário. Mas andei um pouco pelos jardins e descobri, numa das praças externas uma escultura chamada "Os Jovens Amantes" de Georg Ehrlich. Não sei nada sobre o artista, mas a escultura é linda.


The Young Lovers

Saí de St. Paul's de ônibus e, dessa vez, era um double-decked, ou seja, de dois andares. Sentei na parte de cima, no primeiro banco. É muito agradável andar nesses ônibus. A visão é muito privilegiada.

Vista do andar de cima, assentos da frente, do ônibus,
ainda em frente à St Paul's.


Holborn Circus

Um pub do século XVII

Depois de ter visto coisas de encher os olhos e a alma, precisava de um pouco de distração. Fui ao cinema. Mais precisamente ao Apollo de Picadilly Circus. Assisti uma bobagem (não vou dizer que filme foi, porque me arrependi de ter comprado o ingresso). O cinema é moderno, mas tem um visual interno bastante... brega. Escadas com neon lilás, uma coisa quase boate. Bilheteria informatizada, descontos para estudante (ainda bem que tenho a carteirinha da UCL), assentos numerados (acho que todos os cinemas de Londres são assim atualmente) e... atendente brasileira; de São Paulo. Muito simpática.

Na saída do filme, volto andando para casa. Passo pela Shaftesbury Avenue, a avenida dos teatros. É sábado à noite e as ruas estão cheias. Muita gente na noite (agora) agradável - o frio da tarde cedeu, a chuva parou e as pessoas puderam curtir a rua.

Picadilly Circus, na saída do cinema

Lembrei-me da Lucy... um musical
com músicas de MJ e dos Jackson 5

Hair e Les Miserables

Mamma Mia!

E assim terminou meu primeiro sábado londrino. Acordei neste domingo às 11 da manhã, porque fiquei até quase duas escrevendo metade deste post. Saí para almoçar, fui ao cinema de novo (para assistir The Last Airbender, de Shyamalan, baseado em um desenho da Nick), passei na Le Pain Quotidien, comprei algumas coisas e vim para casa estudar.

Consegui trocar o meu período de hospedagem em um bed & breakfast em South Ealing para depois de minha volta de Dublin e resolvi estudar. Mas aí vi que não tinha terminado este post... pois agora ele está pronto.

Novidades durante a semana.