4 de mai. de 2012

A vida sob constante vigilância

Este é um artigo que eu traduzi do site CounterPunch (link no fim do artigo) e que, apesar de falar especificamente sobre a questão da perda de privacidade nos EUA, acho que tem muito a ver com a sociedade atual em todo o mundo e que serve de alerta ao que está acontecendo hoje em um mundo que parece caminhar cada vez mais rapidamente para estados ditatoriais e opressores em pleno século XXI. Precisamos urgentemente de um novo "século das luzes" (mas sem sua parte ruim).
Os erros de tradução são de minha inteira responsabilidade, mas aceito correções, numa boa.

 O estado de vigilância se expande. Desde de 11/9 nossos telefones estão sujeitos a grampos sem autorização. Nossos emails e transações na internet deixam rastros para outros seguirem. A polícia pode acessar nossas informações de localização de GPS através de nossos smartphones, sem mandato. Varejistas gravam detalhes de nossos hábitos de consumo meticulosamente. Aparentemente, a [empresa] Target estuda esses hábitos para determinar quando as clientes estão grávidas –do segundo trimestre em diante- para campanhas de marketing específicas. 


E agora teremos os equipamentos de vigilância teleguiados (drones, em inglês). O congresso aprovou recentemente uma lei que abre as portas para o uso indiscriminado de drones em solo americano. Tem havido pouca cobertura [da mídia] sobre esse desdobramento alarmante: drones, até então associados à nossa guerra ilegal no Paquistão e no Iêmen, logo se tornarão algo doméstico. Em nosso solo eles serão usados na aplicação da lei e proteção de fronteiras, mas também serão usados comercialmente, para objetivos imobiliários, de entretenimento e jornalísticos, por exemplo. Um drone notório exibido na internet possui formato de beija-flor. Como o nome, drone beija-flor, sugere, ele é pequeno, rápido e possui grande mobilidade. Um vídeo popular mostra o drone beija-flor entrando em um edifício e voando por um corredor, transmitindo tudo que vê. Imagine as possibilidades. 
Qual é o efeito de toda essa perda de privacidade? Como ela altera nosso comportamento? Porque ela com certeza nos modifica; nos comportamos de maneiras diferentes quando estamos sozinhos ou quando nos observam. Como será nossa vida pessoal quando mais e mais desses drones se tornarem públicos?


Em seu livro “Vigiar e Punir”, o filósofo francês Michel Foucault argumenta que a vigilância constante tem efeito devastador. É uma forma sutil de opressão. Quando nos sentimos observados temos mais consciência de nosso comportamento, com mais probabilidade de observar o que fazemos e nos moldarmos àquilo que achamos que nossos vigias querem ou esperam de nós. Os falcões entre nós dizem que isso é uma coisa boa: se você não estiver fazendo nada de errado, o que terá a temer de um drone beija-flor? Mas não é tão simples assim.


Foucault sustenta que a vigilância constante pode ser um tipo de tortura – uma revelação posta em prática ainda no século 19 pelos arquitetos de prisões. Também é ideal para governos autoritários, já que essa é uma forma altamente eficiente de poder: a autoridade não precisa coagir os indivíduos fisicamente a se comportar de determinada maneira; a vigilância insere o olho da autoridade no coração do indivíduo e este monitora a si mesmo. A vigilância dá ao poder o anonimato, diz Foucault, o que é especialmente devastador. Não sabemos exatamente porque estamos sendo observados, ou o que esperam de nós e, essencialmente, cultivamos um tipo de paranoia inata em que nos sentimos inseguros e tímidos em relação a tudo o que fazemos.


Além disso, Foucault sugere que a vigilância que está largamente estabelecida na sociedade reduz a resistência à evidente opressão política, porque a torna menos resistente à violação de nossos direitos.


Esse pensamento me ocorreu em seguida à decisão recente da Suprema Corte, por 5 a 4, de manter o direito de oficiais de prisões realizarem “strip-searches” (revistas em que as pessoas ficam nuas) em qualquer um que entre em uma prisão, não importando a gravidade do crime. No caso em questão, um homem sofreu uma ‘strip-search’ depois de ter sido preso por não ter pago um multa; sua prisão foi errônea – ele já havia pago a multa. A Suprema Corte defendeu o direito de despi-lo apesar disso. Isso claramente solapa nossa acalentada noção de inocência presumida, e agride gravemente a nossa dignidade pessoal. Mas essas irritantes invasões de privacidade e desprezo pela dignidade pessoal tornam-se cada vez mais aceitáveis quando já estamos acostumados a elas de forma mais ampla – o tempo todo, de formas sutis.


O problema politico de toda essa vigilância é óbvio, se nos preocupássemos em admiti-lo. As autoridades políticas têm muito mais acesso aos detalhes de nossas vidas e, em mãos erradas, poderiam causar um dano real. A única coisa que nos protege é o caráter daqueles que tem o poder de coletar toda essa informação – e jurar que não farão nada condenável com ela. Em relação á nova Lei de Autorização de Defesa Nacional, que sancionou o poder do presidente de deter indefinidamente ou mesmo assassinar cidadãos americanos suspeitos de envolvimento com organizações terroristas, Obama tentou acalmar os medos argumentando que sua administração será criteriosa no exercício desse poder. E quanto às administrações seguintes? Nossos pais fundadores tiveram a grande preocupação de desenhar um governo que fosse impermeável à corrupção pelas falhas de caráter dos detentores de cargos públicos. A Guerra ao Terror tem gradualmente nos tornado mais vulneráveis a elas.


O que talvez seja mais notável em tudo isso é como estamos absolutamente tranquilos com esse crescente estado de vigilância. De fato, mergulhamos precipitadamente nessas novas tecnologias que permitem que sejamos observados. A ACLU (American Civil Liberties Union) é uma voz gritando no deserto sobre as ameaças aos direitos civis, mas estamos muito ocupados comprando online, dividindo detalhes de nossa vida pessoal no Facebook, tuitando nossas revelações mais mundanas. 
Quando levanto essas preocupações com meus alunos, alguns as consideram excessivamente alarmistas. Outros permanecem inabaláveis. Pressionei-os a esse respeito recentemente, e um aluno observou que ele tinha 10 anos quando a Lei Patriota foi implantada em seguida aos ataques de 11/9. Eles também passaram metade de suas vidas usando internet, email e smartphones e não conheciam nada além disso. Em suma, a vigilância, para eles, é a norma.


E, até o momento, eles só conheceram uma vigilância benevolente ou, no mínimo, inócua. Isso significa que eles confiam nos poderes que sabem tanto sobre eles e que poderiam fazer muitas coisas com esse conhecimento? Quando faço essa pergunta, a resposta é quase unanimemente negativa. Eles confiam muito pouco nos partidos governistas – e essa é uma visão partilhada por pessoas em todo o espectro político. Então o que está acontecendo? Por que entregamos tanta informação – e, essencialmente, poder – a autoridades nas quais confiamos tão pouco?


Existe uma variedade de fatores em ação aqui. Por um lado, pode-se argumentar, somos apenas preguiçosos, ou muito apaixonados por novas tecnologias, para nos preocuparmos com quem está nos observando, e por que. Alternativamente, como aponta a socióloga Juliet Schor, da Universidade de Boston, somos uma sociedade que sofre cada vez mais de ‘pobreza de tempo’: trabalhamos longas horas, viajamos longas distâncias de casa para o trabalho, carregamos nossos filhos para inúmeras atividades e, em nosso frenesi, passamos a confiar nas múltiplas conveniências oferecidas pela nova tecnologia que nos ajuda em nossas agendas frenéticas. Em geral essas novas mídias estão tão integradas às nossas vidas que simplesmente não conseguimos nos imaginar vivendo sem elas. Elas nos acostumaram a níveis de conveniência que nunca tivemos antes – uma conveniência diretamente proporcional à quantidade de informação pessoal que entregamos.


Subjacente a isso tudo, entretanto, há algo sobre o qual tenho pensado há algum tempo. Como sociedade, perdemos a visão do significado da privacidade, e isso é essencial à liberdade – e à democracia. Abrimos mão de nossa privacidade de bom grado acreditando que nossa felicidade permanece intocada no processo. Efetivamente, em uma Guerra ao Terror, renunciar à nossa privacidade parece um sacrifício fácil, especialmente quando se recebe as extraordinárias conveniências das novas mídias em troca. Mas liberdade sem privacidade, nos diz Foucault, não é liberdade.


Quanto mais somos observados, argumenta, menos livres nos sentimos para sermos indivíduos únicos, peculiares, às vezes excêntricos. A vigilância exerce uma pressão velada. Sob constante vigilância estamos mais propensos à conformidade, menos sujeitos a fazer perguntas sociais irritantes que podem chamar atenção para nós e aborrecer alguém – quem? Ficamos menos inclinados a desenvolver nossas próprias ideias e opiniões, elaborá-las em nossa mente, com nossas palavras, testá-las em público – e nos atermos a elas. Nos tornamos mais cuidadosos, menos propensos a aproveitar oportunidades e nos envolvermos em comportamentos de risco. Mas a democracia requer um individualismo criativo, independente, sem medo.


Não há como parar o desenvolvimento tecnológico, um progresso que se tornou assustadoramente rápido na era digital. Entretanto, isso em si mesmo não é desculpa para aceitar uma aviltante profusão de drones beija-flores em nossas ruas e nossa vizinhança. Os drones de vigilância chegarão, com certeza, mas devemos, por sua vez, observá-los – e aos que observam através deles. Isso começa quando nos lembramos que a privacidade é um bem essencial, um direito inalienável e não-negociável, como os autores de nossa Constituição – em uma época muito distante de nossas tecnologias – uma vez entenderam muito bem.

Firmin DeBrabander, Professor Associado de Filosofia, Maryland Institute College of Art, Baltimore, EUA
Fonte: CounterPunch

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